O profeta, este sim
Princípio de Peter (de vez em quando, infelizmente, há que relembrar)
«Em organizações burocráticas hierarquicamente estruturadas os funcionários tendem a ser promovidos acima do seu nível de incompetência.»
E quem vai pôr isto na lista?
- Querida, podes trazer-me bandas de cera do super? Mas não te esqueças que são aquelas mais fininhas, porque as outras deixam-me os pêlos encravados....
Ok, esta conversa pode arrepiar mais do que arrancar uma banda de cera fria cheiinha de pelame atrás, mas vejamos o lado bom desta inovadora linha:
Antes de mais, os anúncios. Acabou-se a exclusividade da perna ao léu, da moça no banho, da miúda a correr em cuequinha a tirar os pelitos enquanto ele fica na porta à espera.
Agora, os gajos bons vão entrar em cena.
E depois as fantasias, não é? Depois da lâmina, depois da gillete e da gaja boa a fazer a barba ao gajo bom, sempre naquele vai-não-vai, corta-não-corta, agora teremos mais suspense....
- Será que ela aqueceu bem as bandas?
- Será que vai arrancar depressa? Ou devagar, para fazer doer?
- Será que vão ficar restinhos de cera presos à pele?
A ideia, meus caros, a nossa, nunca foi ter os vossos problemas, mas os vossos privilégios. Ou seja, nunca quisemos ter de fazer a barba todos os dias, nem andar de fato no pino do Verão. Quisemos sim, salários, carreira, independência, liberdade sexual, de expressão, an so on.
POR QUE RAIO É QUE VOCÊS QUEREM FICAR COMO AS GAJAS MAS ESCOLHEM O PIOR QUE ELAS TÊM? QUALQUER DIA INICIAM UM MOVIMENTO PRÓ-MENSTRUAÇÃO MASCULINA, NÃO?
Acho que a Evax já esfrega as mãos de contente e vai pôr gajos aos saltos e com vestidos às bolas a correr em verdes campos e a falar em cabines telefónicas com vacas lá dentro. E vai na volta ainda escolhem gajos espanhóis com narizes horrorosos para fazer os anúncios....
«Gente Humilde», é o título. Gente de verdade, digo eu
Agência EFETem certos dias em que eu penso em minha gente
E sinto assim todo o meu peito se apertar
Porque parece que acontece de repente
Como um desejo de eu viver sem me notar
Igual a como quando eu passo no subúrbio
Eu muito bem vindo de trem de algum lugar
E aí me dá uma inveja dessa gente
Que vai em frente sem nem ter com que contar
São casas simples, com cadeiras na calçada
E na fachada escrito em cima que é um lar
Pela varanda, flores tristes e baldias
Como a alegria que não tem onde encostar
E aí me dá uma tristeza no meu peito
Feito um despeito de eu não ter como lutar
E eu que não creio peço a Deus por minha gente
É gente humilde, que vontade de chorar
Vinícius de Moraes
.....................
.....................
PS: agora que as coisas parecem estar a amainar é que começa a ser tempo de fazer com que não nos esqueçamos delas. Porque neste país, a chuva lava tudo. Até que o fogo regresse.
Fazer ou não fazer...
A
Caipira, indignada com o país a arder, escreveu uma posta e lá pelo meio duvidava se fazia o suficiente para mudar alguma coisa além de simplesmente se indignar.
Quanto aos fogos, digamos que ser bombeira não me está na massa do sangue, mas há sempre coisas que se podem fazer. Sempre. Não quero tornar este post numa cena de dar lições de moral, paternalista, armada ao ai-que-eu-sou-tão-bem-comportada. Nada disso. Mas há coisas que se fazem e há riscos até nessas pequenas coisas.
Eu, por exemplo, corro vários riscos quando tento zelar pelo bem da comunidade.
Cena 1:Campo de Ourique, LisboaMulher vai à minha frente no passeio a comer um bolo. Atira o papel para o chão quando o caixote do lixo está a cinco metros.
Rita - Olhe, desculpe, porque é que atirou o papel para o chão? Não vê que há ali um caixote?
Ela - Meta-se na sua vida!
Rita - Eu meto-me, mas como tenho de partilhar a rua consigo....
(a mulher virou costas mas quase me afinfou uma murraça. pelo menos destruiu-me com os olhos. e acho que se aquilo fosse para a frente eu não teria arcaboiço para a gaja)
Cena 2Arco do Cego, LisboaUm carro pára à minha frente. De lá sai um bombeiro, uma senhora com cara de avó e uma mulher com um bebé de meses ao colo que ia com ela no banco da frente.
Rita - Acha bem, o senhor que até é bombeiro, ir com a criança sem cadeirinha?
Senhora com cara de avó (embaraçada) - É que a cadeirinha estava no outro carro....
Rita - Pois, e ainda por cima esse senhor que é bombeiro... Já não viu gente que chegue a morrer em acidentes de carro?
Senhora com cara de avó - (muda)
O bombeiro seguiu em frente, mas acho que ainda esteve para puxar do machado....
Cena 3Telheiras, LisboaRita - Olhe, desculpe, é por ter um jipe que acha necessário estacionar em cima de passeios? É para poder galgar qualquer coisa?
Senhor do jipe olha.
Rita arranca. É que este podia meeeeesmo correr mal.
E para terminar: declarei o valor real da compra da minha casa, pedi factura ao homem dos estores e paguei mais 17 por cento do que podia ter pago ainda que não consiga pôr o raio da factura no IRS, peço sempre o livro de reclamações quando sou mal servida e refilo. Pois refilo.
É só para avisar que sou a favor do terrorismo urbano. Não tarda começo a riscar carros, cortar pneus e atirar pedras à cabeça desta gente.
Isto enquanto não houver a «licença para a estalada». Mas deste assunto, falarei mais tarde.
Na lista....
... e espero que rapidamente em casa.
Finalmente o raça do Cunningham escreveu um novo livro! Já há na Fnac na edição inglesa. Yupiii!!
Portugal em títulos
Área ardida pode chegar já aos 180 mil hectaresPúblicoEuropa bombeira dos fogos em PortugalLibérationPortugal pede socorroJornal do Brasil120 animais mortos recolhidos em média por dia ao sul do TejoPúblicoFisco atrasa verbas das autarquiasCorreio da ManhãAcesso ao crédito vedado a 38 autarquias em 2005DNCandidatura de Ferreira Torres foi aceite pelo tribunalDNDesign de crise (Experimenta Design com verbas cortadas)
DNE com o país neste estado e o Ricardo na frangaria, o 24 Horas só se lembra mesmo disto:
«O Miguel veio a correr e começou a dar-me pontapés quando eu estava no chão»
FOTOS EXCLUSIVAS! VEJA COMO FICOU O RAPAZ AGREDIDO
A todos os que compram o 24 Horas, que todos os meses sobe vendas, seja à conta dos faqueiros ou das facadas, mesmo errando em quem estava bêbado, a todos o Portugal de cima que bem o merecem.
A culpa é dos filmes
Eu tenho graves problemas de (in)decisão. Não, não ando na terapia, mas tenho a noção das coisas.
Por isso nunca quis ser o que sou desde pequenina.
Comecei por querer ser investigadora da Polícia Judiciária (pus de parte, mas pratico os meus dotes de interrogatório de vez em quando). Na altura,
Dempsey & Makepeace tiravam-me o sono. Nem sou polícia, nem nunca consegui ter aquele corte de cabelo com franja e mais comprido à frente do que atrás.
Depois quis ser hospedeira. Só pelas viagens. Mas achei que ser empregada de mesa, ainda que no ar, não era assim tão aliciante.
Depois pensei em ser advogada. Durante muito tempo quis ser advogada.
LA Law e as trezentas séries de advogados norte-americanas faziam-me sonhar com alegações finais. Depois lá percebi que por cá a coisa não era bem assim....
Bom, o que eu queria mesmo era ser cantora - por causa dos discos que ouvia e das cantorias desde que me lembro de existir e de descobrir, volta e meia que sei de cor Cd's inteiros. Não sou cantora, mas sou uma juke box. Só por isso é que papei a
Operação Triunfo todinha. Votei e tudo. Sim, é verdade.
Acabei a ser outra coisa. Dá para perguntar, dá para viajar e dá para tentar fazer alguma justiça. Bom, às vezes, nem sempre, quando calha, ou não.
Ontem esteve a dar
O Informador. Eu sou o Al Pacino, com menos fontes, a mesma raiva, os mesmos ímpetos, mas sem a casa na praia e sem o sistema judicial norte-americano, muito menos a imprensa norte-americana.
Que pena não me terem dito antes que isto não era como nos filmes, que pena....
Se calhar, tinha dado uma boa engenheira civil, mas por que raio não faziam filmes sobre engenheiros civis? As vigas, o cimento, os projectos, a ponte que cede, os tijolos de fraca qualidade, as fraudes nos orçamentos, e o engenheiro, o grande herói que consegue impôr que tudo tem de ser feito com os melhores materiais, que consegue arranjar a baixo custo, que não suborna fiscais, lhes acata as ordens e faz modificações e que trata os trabalhadores, a começar pelos trolhas, com respeito.
E depois as pessoas passam e compram as casas lindas e a bom preço e tudo funciona.
Era um bom argumento. Eu tinha ficado convencida.
A lista de compras....
...
DA MINHA MÃE- Filha, tens o congelador muito cheio?
- Mais ou menos, mãe, porquê?
- É que tenho aqui dois coelhos e um frango para levar.
- Ah, está bem, isso cabe. Olha, mãe?
- Sim?
- Precisava era de ovos, mas só meia dúzia...
- Está bem.
Dois dias depois.....
* dois coelhos
* dois frangos
* carne para guizar
* quatro nacos para pedra
* picanha
* quatro costeletas
* seis bifes
* um pato que me pareceu um perú, mas que ela jura que é um pato
* dúzia e meia de ovos («os seis mais frescos são para o Jaiminho, a outra dúzia é para vocês...»)
* duas caixas de tomate cereja
* pimentos
* cebolas
Mas para quê que ela pergunta? Para quê?
Por que gosto de Donas de Casa Desesperadas:
Porque apanhei um episódio a horas decentes e vi do princípio ao fim.
Há alturas em que as teclas não dão jeito para se fazer uma...
Será que no céu há blogoesfera?
Este texto tem quatro anos. Mas como ontem foi uma daquelas noites em que adormeci a pensar em ti, hoje vim lê-lo. Ele aqui está.Lembro-me muitas vezes dos gritos que davas quando estavas naquela cama e eu sem forças para te tirar de lá. Confortada sem te ver, a 300 quilómetros de distância, podia sonhar com o teu sorriso e com as nossas embirrações porque sempre gostaste mais do meu irmão do que de mim. Mas foi contigo que adormeci durante muitas noites e foi a mim que me contaste vezes sem fim a história da cegonha e da raposa. Ando há que tempos para tentar descobrir essa fábula porque já não a tenho bem de cor.
Adormecia sempre agarrada à tua mão, isso lembro-me bem. As tuas unhas às vezes arranhavam nos cantinhos, mas eram quentes e seguras. Adormecia sem medo dos ladrões. Só quando perdi o kispo branco com uma risca azul – que veio a aparecer mais tarde cheio de caruncho no balneário do ginásio lá da escola – é que nem a mão me sossegava. Levantava-me todas as noites para ver se o novo, o amarelo, que eu fora proibida de perder, estava no guarda-fatos. Nunca o perdi. Gostava muito dele e lembro-me que a minha professora de português que também morreu tinha um igual em cinzento. Gostava muito dela, mas já não sei qual era o seu nome.
As minhas rabujices maiores foste tu que as aturaste. Não fazia ideia até há bem pouco tempo que uma vez me puseste dentro do lava loiça para que eu tomasse o pequeno almoço. Já nessa altura eu era birrenta e fazia grandes fitas.
Depois mais tarde a adolescência quase deu cabo de nós. Perguntavas-me todos os dias pelas notas e pelos testes. Fazias todas as vontades ao meu irmão e a mim nada. Percebo que querias que eu crescesse sabendo fazer as coisas que achavas que as mulheres deviam fazer. Aos homens nada disso era pedido. Sabes bem que não te ouvi. Continuo uma desleixada e desarrumada, sou eu que levo sermões do homem que vive comigo para arrumar as roupas espalhadas e fazer a cama e lavar a loiça, passar a ferro de vez em quando, lavar a casa de banho, aspirar o chão. Estás a ver? Arranjei alguém que não me obriga a fazer essas coisas todas enquanto está sentado no sofá.
O teu era assim, não era? O avô Jaime. Nunca o conheci. Só tenho dele aquela cara simpática, olhos claros, da fotografia no cemitério onde ia muitas vezes contigo pôr flores. Tirávamos as velhas e depois lavávamos a tampa de mármore com a água que tínhamos deitado para um balde, cheio naquela torneira do cantinho, onde cheirava sempre a rosas e se sentia o fresco. Depois de lavado e posta a água nova colocávamos as flores. Curioso, não me lembro de rezares em frente à campa dele.
Muitas outras vezes fui sozinha. Gostava de ali estar, ia vê-lo. Mal entrava e olhava para as fileiras de gavetões sabia exactamente localizar a fotografia. Na fila de baixo e um pouco mais para a direita estava o meu tio-avô que eu também nunca cheguei a conhecer. Passeava no cemitério, saltava campas, e entretinha-me a olhar para as fotografias daquela gente que eu nunca tinha visto. As que me impressionavam mais eram aquelas cujas datas distavam tão pouco. 1970 – 1973. Fazia-me confusão, mas o cheiro dos pinheiros e dos arbustos, das flores frescas e o silêncio é que me encantavam. Acho que por vezes cantava.
Tu ficaste do outro lado do avô, mais em baixo. Ainda não fui lá ver se te mudaram, porque ainda não me esqueci do som do caixão a fechar naquela igreja fria onde eu me casei e onde tu estiveste morta. Ainda bem que te disse que gostava muito de ti antes de isso acontecer. Foi depois de me pedires um beijo. Não sei se te lembras.
Sempre pensei que nunca te ia dizer isso antes de morreres. Mas disse. Esses remorsos não guardo eu. Sabes que guardo outros. A minha vida sempre foi feita deles, aprendendo com alguns, repetindo por vezes os mesmos erros. Chorava muito.
Os primeiros remorsos de que me lembro – e isto acho que nunca te contei – foram causados pelo roubo de cinco pastilhas elásticas no mini-mercado que ficava perto da catequese. Roubei as cinco e quase deixei de dormir pelo que tinha feito. Decidi que tinha de arranjar uma solução e assim fiz. Não podia dizer ao senhor Isidoro que tinha roubado as pastilhas por isso juntei o dinheiro suficiente para comprar outras cinco. Paguei e a seguir fui, sorrateiramente, colocá-las de novo no lugar. E foi por isso que ele desconfiou que eu naquele dia o estava a roubar. Saí de lá disparada. Mas com a consciência tranquila.
Desde que não me desse com pessoas que roubavam tudo correria bem. Porque sempre tive a mania de querer agradar, mesmo que isso implicasse tomar atitudes que iam contra a minha consciência. Estúpido, não? O pior é que tendo noção disso continuo a fazê-lo. Sou muito pouco corajosa.
Nunca fui cantora nem actriz. E gostava de o ser. Quantas vezes me apanhaste em frente ao espelho da casa de banho, com o desodorizante a servir de microfone e a cantar? Só acho que nunca me viste com os Lusíadas na mão a declamar ao espelho do armário do quarto dos meus pais. Declamava a parte da história de Pedro e Inês. Era fascinante, mas lá está, já não me lembro dos versos.
Também foste tu que me disseste que eu tinha entrado para a faculdade. Estava a tomar banho e tu gritaste cá de baixo: entraste onde querias! Eu fiquei furiosa contigo porque queria ver com os meus próprios olhos. Vim-me embora para Lisboa e só te via de quinze em quinze dias. Chateava-me muitas vezes porque mal eu chegava tu perguntavas-me quando é que eu me ia embora. Isto depois das perguntas sobre as notas. Nessa altura não te ligava nada. Pouco falava contigo. Dei-te muito poucos carinhos, nem um milésimo daqueles que me deste a mim quando eu precisava deles.
Não sei porque é que de repente deixaste de querer viver. Porque é que ficaste tão infeliz. É verdade que nunca te perguntei. Até achei que era mais uma das tuas birras. Não fui capaz de te perguntar nada quando a minha mãe me contou que foi dar contigo com os pulsos cortados, isto depois de o nó da corda com que te querias enforcar se ter desmanchado. A minha memória não reteve por aí além estes factos. São como que uma história de outra pessoa que não tu.
Depois puseram-te no lar, naquela altura em que os comprimidos já te tinham tornado numa pessoa amorfa e aí sim sem sentido de viver. Cada vez que lá entrava tinha vómitos. Aquele cheiro era insuportável. Aos sábados de manhã tinha de ir ver-te, embora o meu desejo fosse esquecer-me de tudo. Fingir que tinhas ido numa viagem longa, ou que somente naquele fim-de-semana não estavas disponível para mim. Foste definhando tanto que tudo se tornou insuportável.
Devias ter casado outra vez. Devias ter aceite o pedido do tio de Várzea. Tinhas sido se calhar mais feliz, tinhas tido um motivo para viver. Se bem que ele já enterrou três mulheres, mas desde que tivesses morrido feliz por mim tudo bem. Eu sei que sentias que não te queriam lá em casa, que eras um empecilho. Achas que eles não gostavam de ti. Às vezes pensei em ir-te buscar, deixar de te dar os medicamentos. Trazer-te de novo à vida. Mas nunca tive coragem para isso.
Chorei muito no dia em que o meu irmão me telefonou a dizer que tinhas morrido. Apesar de te já ter perdido há muito, muito tempo. Às vezes, à noite, tento lembrar-me da história da cegonha e da raposa. Ainda choro por ti. Lembro-me do toque da tua mão antes de adormecer. Das vezes que fazias jardineira e arroz seco no forno com carne e chouriça. Nunca mais comi nenhum tão bom.
E ainda não acredito que nunca mais te vou ver. E sinto-me a ficar velha. E conto os anos que faltam para ter trinta anos - só faltam quatro - com a ansiedade e a angústia com que às vezes conto as poucas horas que faltam para acordar antes de adormecer. O que faz com que fique ainda mais desperta. É por isso que me custa tanto tomar decisões. Porque nunca sei se me vou arrepender mais tarde. Ou melhor, porque sei que grande parte das vezes me arrependo. Quanto mais não seja, arrependo-me de não ter decidido nada.
PS: Agora cá em casa temos outro Jaime, de olhos castanhos e cabelo aloirado, como o meu era quando tirámos aquela fotografia no terraço lá de casa. Daí de cima ao pé do teu Jaime, consegues ver o nosso cá de baixo?
Direitos inalienáveis do leitor*
* esta pequena lista pode encontrá-la nas paredes deste maravilhoso sítio
aqui, que me foi recordado por este rapaz
aqui. E a propósito de tantas conversas sobre livros que andaram por aí e por ali, cá ficam as sábias palavras desta gente que teve a coragem de mudar o rumo do ensino em Portugal (pelo menos numa escola):
- O direito de não ler;
- O direito de saltar páginas;
- O direito de não acabar um livro;
- O direito de ler não importa o quê;
- O direito de amar os heróis dos romances.
Esta lista foi feita por crianças que aprendem com «liberdade e categoria», que sabem o que é ser cidadão, que não são idiotas porque nunca niguém as tratou como tal.
Esta é uma lista feita na escola dos sonhos.
Agarrada na net!
Uma ainda dava para aguentar uns dias, olarilolela, podia não ter ido lá, mas
duas, pronto, vai ter de ser, não escapei.
É que apesar do nome deste blogue, uma lista não é uma escolha. Eu adoro o Nick Hornby e o Alta Fidelidade, mas não consigo ser assim selectiva..... Para mim, uma lista de um restaurante italiano é do mais assustador que há. É por isso que como quase sempre a mesma coisa... mas pronto, depois dos lamentos, lá vai.
Idiossincrasias - as 5 menos (vou começar com uma reclamação: odeio a palavra idiossincrasia)
- Gajos que têm jipes na cidade e por isso acham que têm sempre de galgar passeios para dar uso aos seus four-wheel-drive
- Crianças sem cinto nem cadeirinhas atrás nos carros ou bebés aos colos das mães nos mesmos. Quem tem dinheiro para comprar um carro tem de ter dinheiro para a cadeira (mas em Portugal pelos vistos há muito boa gente que encomenda a lagosta, mas depois poupa na maionese)
- Gentinha que passeia os seus cães e deixa as ruas cheias de merda e autarquias que fecham jardins cheios de merda de cão: as crianças ficam sem ter onde jogar à bola mas os donos dos cães levam-nos a cagar na rua na mesma, só que apenas nos passeios
- Serviços e funcionários públicos que acham que um qualquer cidadão TEM de saber todas as leizinhas. Exemplo: não sabe que a certidão de casamento já não serve? Tem de ser certidão de nascimento com averbamento do casamento.... Pergunta: mas alguém se casa estando morto?????
- Gente que não paga impostos, que recebe subsídio de desemprego e continua a trabalhar sem passar recibos, nem descontar, nem nada e continua a queixar-se que não é bem atendido nos hospitais, que não há escolas, e o diabo a quatro.
(desculpem, tem de ser mais uma)
- Viver num país onde a cunha e a apadrinhagem valem mais do que o profissionalismo.
Idiossincrasias - as 5 mais - Amores
- Realização profissional
- Livros, música e cinema
- Quando ele me chama «mamã!» e me abraça como se fosse eu a pessoa mais importante do mundo para ele e depois me dá uns três beijos de seguida
(eh, pá, já vão quatro?)
- Liberdade de escolha, de imprensa, de opinião (é por isso que nunca votarei em certas e determinadas pessoas ou defenderei certos e determinados regimes. Sim, a democracia, essa idiossincrasia que muito me agrada, continua a ser o pior dos sistemas com excepção de todos os outros)
5 álbuns (Pronto, agora é que a porca começa mesmo a torcer o rabo. Chegámos ao menú das pizzas)
- Caetano Canta, Vol I- Caetano Veloso
- Back to Earth - Lisa Ekdhal
- Murder Ballads - Nick Cave
- Chico Buarque ao vivo Paris Le Zenith - Chico Buarque
- Stories from the City, Stories from the Sea - PJ Harvey
(mas podiam ser outros, é que hoje apetece-me a de mozzarela com rúcola e tomate cereja)
5 canções (Página das massas. Já há por aqui uma lista destas, mas não vou olhar. De certeza que as músicas não serão as mesmas. É que hoje comia uns ravioli com ricota e espinafres)
- Nature Boy - Caetano Veloso
- Por toda a minha vida - Elis Regina na BSO do Hable Con Ella
- Yumeji's Theme - BSO In The Mood for Love
- Misty - Sarah Vaughn
- Você, você - Chico Buarque
5 álbuns no iPod ou outroNão tenho i-pod e escusam de me oferecer. Gastem os 300 euros em discos e livros e DVD, porque no carro ouço CD e em casa uso a aparelhagem. Andar na rua sem ouvir os outros e os carros, não obrigada. Portanto, olhem, não sei bem que responder a isto. Vou pensar que amanhã vou de viagem e encho a carteirinha de cinco CD: vou pôr só lusófonos.
- Undercovers - Maria João e Mário Laginha
- Rosa Carne - Clã
- Saiba - Arnaldo Antunes
- Cinema - Rodrigo Leão
- Escritor de Canções - Sérgio Godinho
5 MP3 na playlist(Ai meu Deus! Que tortura! Não sei que treta é isso dos MP3, lá em casa é proibido tirar música da net, os direitos de autor serão preservados a todo o custo, ainda que se trate do remix das Doce. E odeio playlists - olhem o que aconteceu à TSF....). Agora vou aos estranjas...
-The Chokin' Kind - Joss Stone
- Carrossel - Beth Gibbons
- She - Elvis Costello (eh, pá gosto, prontos)
- Lose Yourself - Eminem (BSO 8 Mile)
- Where The Wild Roses Grow - Nick Cave e Kilie Minogue
Pronto. E para entrada, um carpaccio de carne com parmesão e alcaparras, por favor.
Crónica de um encontro anunciado (o título é para alguns fãs)
O convite chegou numa caixa de comentários: «Jantar lá em casa na sexta-feira?»
É verdade que eu me rio à brava com o que ela escreve, e comento, e trocamos conversas, mas tudo por detrás de um teclado que não nos permite ver caras, mas achamos que permite ver um pouco dos corações.
Isso é o que achamos até ao dia em que se coloca o convite.
O frente-a-frente. O mano-a-mano.
Como era quase impossível ir - não tinha babysitter, estava com trabalho até à ponta dos cabelos - não pensei muito no assunto. Mas afinal apareceu quem ficasse a tomar conta do rapaz e eu, com uma sandes e uma sopa no bucho desde a uma da tarde, lá peguei no telefone, morta de fome e com o cheiro do churrasco já a entrar-me pelas narinas, e falei com ela. Ouvi-lhe a voz pela primeira vez, mas foi como se já nos conhecêssemos.
Vem, vem, vai ter ali, por acolá, quando chegares dá um toque que eu vou-te buscar, já sabes, tenho um Panda. Fiz-me à estrada, IC 19 fora.
Mas decidi acautelar-me. Afinal, isto dos
blind dinners era novo para mim e nunca se sabe, com o que se vê todos os dias nas televisões e se ouve na rua, deus-nosso-senhor-nos-livre-e-guarde...
Liguei ao Alexandre e disse-lhe: o número dela está no meu mail. Se eu não aparecer até amanhã vai procurar-me em Sintra. Chama a polícia, faz qualquer coisa. Ainda não satisfeita, deixei mensagem na Dona Ema, que é perita em casos de perdidos e achados.
Cheguei. Estacionei. Quatro piscas ligados e zac! fiz o telefonema. Ninguém atendeu.
Mandei mensagem: tou aki.... Nada.
Olho para o lado e um rapaz com ar atarantado, de quem espera alguém, chama-me a atenção. Será que este também tem um blogue e vai ao jantar? A dúvida dissipou-se rapidamente. Ele desapareceu.
Nova mensagem: carro com 4 piscas. tá aki um gajo q parece a tb vai à festa. espera, n, desapareceu. tenho fome....
Nada.
Bom, antes do estrangeiro que queria saber onde era a «jeneira» (queria ele dizer, depois de muito esforço, GNR), já eu pensava em ir afogar-me nos travesseiros da Periquita e voltar para casa. Mas como era possível? A gaja é fixe, disse-me para vir. Eu vim. Estou aqui e nada.
Até que o abençoado telefone toca. Era ela, estava a caminho o telefone tinha ficado no carro, desculpa, desculpa. Ok, vem lá. Bora, sigo atrás de ti.
O Panda apareceu e fui atrás dela num rallie pelas ruelas de Sintra afora (nunca vi um Panda andar tão depressa, juro). E lá cheguei. Ela tem o cabelo curto, pensava eu que era comprido. Havia comidinha e da boa. Depressa se arranjou uma mesa e umas cadeiras, que isto o tuga não gosta lá muito de comer em pé, e olha, foi assim numa noite de Sintra em que a nuvem privativa desapareceu e o vento soprou para outros lados que ficámos na conversa até às quatro da manhã.
Éramos ora baixos, ora altos, gordos, magros, mais velhos, mais novos, gostávamos mais disto ou mais daquilo.
Não gostávamos era de posts muito longos. Como este. Mas lá que o entrecosto sabia bem, lá isso sabia.
Eu bem que me parecia que a Europa já estava lá bem longe.....
De facto, tudo é relativo. Ou então é só por estarmos na chamada
época estúpida (escrevo em português porque só mesmo estúpidos é que engolem o que mais abaixo descreverei e, como toda a gente sabe, os estúpidos, normalmente burros, não aprendem línguas).
Ontem foi notícia em tudo o que é meio de comunicação social (os que não foram na mesma conversa desde já as minhas desculpas e a minha vénia) que
Portugal é um dos países onde as pessoas têm mais férias.
A sério? Que estranho....
Mas era mesmo assim. Ficámos então a saber que comparados com os filipinos, os portugueses têm o quádruplo das férias, o dobro do Japão, não sei quanto mais que a Coreia, and so on and so on, ai desculpem, e por aí fora, queria eu dizer.
Portanto, eu que já pensava de facto que já não éramos bem um país europeu, fiquei agora a ter a certeza disso. Com uma reviravolta destas, depressa teremos dezenas de notícias do estilo:
- Portugal tem os profissionais mais bem pagos (comparando com as Filipinas)
- Em Portugal a semana laboral é apenas de 40 horas (comparando com a Coreia)
- Portugal tem a taxa mais baixa de trabalho infantil (comparando com a Índia)
- Em Portugal a taxa de suicídios é a menor do mundo (comparando com o Japão)
- Em Portugal a Sida atinge os valores menos elevados (comparando com a África do Sul)
- Portugal é o país onde há menos analfabetos (comparando com o Sudão)
- Portugal é o país onde a igualdade entre homens e mulheres é quase total (comparando com a Nigéria)
PS (ai, latim também não dá), ora deixa cá ver, Nota Final, assim está bem: ouvi esta manhã na TSF que a Valorsul, empresa encarregue da reciclagem na zona da Grande Lisboa, manda para as incineradoras 55 por cento do plástico que se coloca nos ecopontos amarelos, em vez de os reciclar.
Ri-me. Por favor. 55%? O que é isso comparado com os países que nem sequer ecopontos têm? Sei lá, na América do Sul deve haver alguns com taxas inacreditáveis! Quer dizer, estes gajos da Quercus também às vezes têm a mania que vivemos na Europa....
Para mim, o melhor é fazermos como na Etiópia onde não há problemas deste tipo: acabam-se as embalagens de leite, os iogurtes e a água do Luso.
Acordem, pá! Vocês pensam que isto é o quê? A Europa?
Mary Bethânia, ou, a gaja flipou de vez
É verdade que já há algum tempo vinha a embirrar com a senhora.
É verdade também que sempre que oiço a voz dela aquilo me soa quase sempre avassalador.
É verdade que quando ouvi a primeira música no primeiro concerto ao vivo dela a que assisti, pensei: caramba, a gaja tem mesmo esta voz!
Mas depois ela transformou-se num CD que tinha uma roupa vestida e uma banda por trás.
E depois ela canta aquelas merdas do Roberto Carlos e outras lamechices que são insuportáveis.
Então agora isto é de mais.
Agora que ela se pôs a cantar apenas um poeta maravilhoso, de nome Vinicius de Moraes, num disco de homenagem;
Agora é que a gaja decidiu assassinar a música que o homem mais gostava e que todas as noites ouvia antes de dormir, na voz do irmão dela, o grande Caetano Veloso.
Eu não sei se ela não sabe falar inglês, eu não sei se ela se quis pôr a inventar, eu não sei se ela está senil, mas é com esta «brilhante» (para não dizer asneiras) letra, que a senhora Bethânia decidiu cantar o Nature Boy:
Era um rapaz
Estranho e encantador rapaz
Ouvi que andara a viajar; viajar
Toda a terra e o mar
Menino só
E timido (aqui para rimar tem de ler-se mesmo com sotaque brasileiro)
Mas sábio demais
Eis que uma vez
Num dia mágico o encontrei
E ao conversarmos lhe falei
Sobre os reis, sobre as leis e a dor
E ele ensinou
Nada é maior
Que dar amor
E receber de volta
Amor
Estou à espera de outras versões, como o «Let it Be»:
Deixa estar,
Deixa estar,
Deixa estar,
Deixa estar,
Haverá uma resposta
Deixa estar!
Ciao belle!
Saí de Lisboa coberta pelo fumo e fui directa a Milão. Sol maravilhoso, uma brisa corre, o Figo lá aparece, a mala ficou perdida, mas isto de misturar portugueses e italianos à volta com organização já se vê que pode apenas dar.... merda.
Milão é uma cidade de gente rica, de empresários, de indústria. Mas não tem fumo. O céu está límpido.
Há saldos. Vi uns sapatos lindos de morrer. Entrei na loja e de repente percebi que estava na Bata!!!! Bata????
«Questo é Millano, capitale dela moda!», responde-me o empregado depois de eu lhe dizer uns impropérios sobre a marca em Portugal....
Os cabrões têm estilo. Olá se têm.
«Elevatore ascendere. The lifte goes upe.»
Prada, Gucci, um quarteirão de Armani, Duomo, vitrais, galerias, carpaccio e mais carpaccio e mais carpaccio. «Siamo vincino? No? Ah, siamo lontano, va benne.... Parla inglese? No? Va benne...»
«Giallo, scarpe gialo»
«Ciao bella!»
A condução é um horror, mas funciona. Tudo vale menos empatar o trânsito. Creio que a polícia só intervém quando o trânsito fica empatado. De resto sinal vermelho, traços contínuos, cosa? No problem. «Ciao bella!»
Mala Gucci. Imitação. 10 euros. «Salve! Arrivederci.»
tanto estilo que o McDonalds da Piazza Duomo é assim. Quais amarelo e vermelho qual quê, banquinhos de pele olé, olé. Os hambúrgueres devem vir embrulhados em papel Versace.....
Arrivate a Lissabonna.
O fumo parece que desapareceu. Já não deve haver mais nada para arder. O arroz de pato estava delicioso.
O Jaime está lindo, tem mais um dente e já tirou os pontos da cabeça.
«Ciao belle!!!!»
Filhos, filhos....
É por duas razões tão opostas, tão opostas, para duas pessoas que estão em lados tão opostos, tão opostos, que este poema lhes assenta, às duas, que nem uma luva.
Filhos... Filhos?
Melhor não tê-los!
Mas se não os temos
Como sabê-lo?
Se não os temos
Que de consulta
Quanto silêncio
Como os queremos!
Banho de mar
Diz que é um porrete...
Cônjuge voa
Transpõe o espaço
Engole água
Fica salgada
Se iodifica
Depois, que boa
Que morenaço
Que a esposa fica!
Resultado: filho.
E então começa
A aporrinhação:
Cocô está branco
Cocô está preto
Bebeu amoníaco
Comeu botão.
Filhos? Filhos
Melhor não tê-los
Noites de insônia
Cãs prematuras
Prantos convulsos
Meu Deus, salvai-o!
Filhos são o demo
Melhor não tê-los...
Mas se não os temos
Como sabê-los?
Como saber
Que macieza
Nos seus cabelos
Que cheiro morno
Na sua carne
Que gosto doce na sua boca!
Chupam gilete
Bebem xampu
Ateiam fogo
No quarteirão
Porém, que coisa
Que coisa louca
Que coisa linda
Que os filhos são!
Vinicius de Moraes in "Antologia Poética"
Fui buscar
aqui, blogue que recomendo às duas pelas mesmas opostas razões.
PS: e a mim já me chega a angústia porque vou ficar três dias sem o ver... Filhos, filhos, melhor não tê-los, mas se não os temos, como sabê-lo?
Pode parecer estranho, mas.....
... à medida que o trânsito diminui o meu trabalho auuuuuumeeeeennnnttttaaaaaaa!!!!!
Será em directo na RTP Memória?
Já estou a ver os títulos:
Soares é fixe, o.... Cavaco que se lixe?
Cavaco ainda não aprendeu a comer bolo rei de boca fechada.
Adriano Moreira avança como candidato mais à direita, mas só fará comícios em tendas, sentado, mas em poltrona, não naquelas cadeiras altas que o Portas usava.
Bloco de Esquerda já negociava com Trotsky há pelo menos dois anos a candidatura às presidenciais 2006.
O PCP, numa jogada de antecipação, mandou desembalsamar Lenine e já fez o vídeo com os dez trisnetos do estadista soviético a dizerem.... gugu... DA DA DA
Garcia Pereira recebe desta vez a camisola azul do prémio do participante mais jovem na corrida às presidenciais...
O FIM
Depois de um telefonema no último dia de férias a dizer: A Capital fecha amanhã! Depois de umas lágrimas derramadas ao ver aquele jornal que já não comprava há tanto tempo e de me pôr à procura das primeiras páginas do tempo em que eu lá estava, depois de as primeiras lágrimas terem aparecido só de ver o nome do Appio na página 2 a contar a história do jornal, depois de perceber que de toda aquela gente que agora ali trabalhava só meia dúzia é que eu ainda conhecia, depois de ter corrido à procura de um sítio com net num sábado à tarde para escrever aqui a minha angústia, passaram uns dias. Escrevo agora, por ser o fim do jornal onde nasci para a minha profissão.
16 de junho de 1997, secção de política - o dia em que entrei para o jornal. Fiquei lá três anos e assim de repente lembro-me da pica que foi quando ao fim de três dias de profissão a directora me passou um ministro ao telefone.... Uff! Safei-me.
A directora era a Helena Sanches Osório, talvez a primeira directora de um jornal que assumidamente fazia jornalismo contra alguém ou a favor de outrém. Hoje todos, ou quase todos, o fazem, mais ou menos encapotados. Com uma diferença: ela era do nosso lado, não era vendida a administrações e accionistas e o diabo a quatro. Foi ela que levantou a voz quando quiseram pôr gente a trabalhar a recibos verdes....
Também era ela que gritava «Ó ANA!!!!! Liga aí ao Cravinho e diz que eu preciso de luz para fechar o raio do jornal!!!!!» - as obras da Expo eram ali ao lado e graças a elas conheço Olivais e Moscavide como a palma das minhas mãos.
Não me esqueço da Isabel Valadares que tinha um porsche a cair de velho e fumava cigarros Chanel.
Não me esqueço da Paula Mascarenhas que não desligava o telefone, de tal maneira que uma vez caiu da cadeira, ficou de perna aberta mas o auscultador permaneceu fixo na sua mão.
Não me esqueço dos pequenos almoços às oito da matina, depois de toda a gente constatar que mais uma vez ninguém tinha conseguido chegar primeiro que o João Vaz.
Não me esqueço da festa surpresa que me fizeram no meu aniversário.
Não me esqueço do dia em que o João Vaz disse: hoje o Saramago vai ganhar o Nobel, vamos já fazer a edição especial. E ganhou.
Não me esqueço de trabalhar até ás seis da manhã depois dos conselhos nacionais do PP.
Não me esqueço do que era procurar notícias e do Paulo Santos e do Rui irem de noite, Alentejo fora, em busca do monte alentejano que fez cair o Vitorino. Era um monte de pedras. Demos nós.
Não me esqueço da minha primeira «cacha», citada em todos os telejornais (eh, eh): «Governo quer vender preservativos nas escolas».
Não me esqueço de quando a Helena se foi embora, primeiro do jornal, depois deste mundo.
Não me esqueço quando um Mário qualquer coisa chegou à redacção e disse: as vendas subiram, as receitas publicitárias também, mas o grupo decidiu abandonar o jornal.
Não me esqueço do Peres quando me disse: o pior defeito de um director é ser indiferente.
Não me esqueço de ver o fogo de abertura da Expo 98 e o Aquamatrix do telhado da redacção.
Houve casamentos, divórcios, filhos, traições, zangas e até quase casos de porrada. Havia gargalhadas gerais, havia quem nos pedisse mais sangue suor e lágrimas. Havia notícias, havia um jornal, havia gente em todos os outros sítios que diziam «eu comecei na capital», houve um homem que me disse que comprava o jornal há 20 anos.... A sério?, perguntei eu....
- Sim, gosto muito das palavras cruzadas.....
Um jornal é para o que um homem quiser. Um jornal faz chorar e rir e acaba a embrulhar peixe. Este jornal ensinou-me muita coisa. Tenho-o agora feito em pedacinhos rasgados no meu coração.
E pronto(s), de volta ao supermercado
Dissemos adeus à praia, aos barcos, ao motor do barco, ao senhor Luís que o conduzia, às conchas, às gaivotas, à areia, à água, às conquilhas, à Maria, à Matilde, ao Pedro, à Mariana, ao João, ao fogareiro que todos os dias assou peixe, à ria, aos cães, aos gatos, à cama
transformer, às fraldas de mergulhar, aos mergulhos, às piscinas de areia, à pá, ao ancinho, à tartaruga e à estrela do mar, ao regador do Zack, ao moinho de água do Tomás, às sestas, aos dias com horários, aos restaurantes sem sopa, aos restaurantes com sopa, cadeirinhas e babetes, aos livros que não se leram, e às recordações de como é tão fácil fazer amigos, ser feliz e brincar para todo o sempre numa poça de água que nos chega só aos tornozelos e gostar de comer areia, de preferência misturada com o açúcar da mais fina pastelaria de praia - ela, a bola de berlim.