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2.8.05

O FIM

Depois de um telefonema no último dia de férias a dizer: A Capital fecha amanhã! Depois de umas lágrimas derramadas ao ver aquele jornal que já não comprava há tanto tempo e de me pôr à procura das primeiras páginas do tempo em que eu lá estava, depois de as primeiras lágrimas terem aparecido só de ver o nome do Appio na página 2 a contar a história do jornal, depois de perceber que de toda aquela gente que agora ali trabalhava só meia dúzia é que eu ainda conhecia, depois de ter corrido à procura de um sítio com net num sábado à tarde para escrever aqui a minha angústia, passaram uns dias. Escrevo agora, por ser o fim do jornal onde nasci para a minha profissão.

16 de junho de 1997, secção de política - o dia em que entrei para o jornal. Fiquei lá três anos e assim de repente lembro-me da pica que foi quando ao fim de três dias de profissão a directora me passou um ministro ao telefone.... Uff! Safei-me.

A directora era a Helena Sanches Osório, talvez a primeira directora de um jornal que assumidamente fazia jornalismo contra alguém ou a favor de outrém. Hoje todos, ou quase todos, o fazem, mais ou menos encapotados. Com uma diferença: ela era do nosso lado, não era vendida a administrações e accionistas e o diabo a quatro. Foi ela que levantou a voz quando quiseram pôr gente a trabalhar a recibos verdes....

Também era ela que gritava «Ó ANA!!!!! Liga aí ao Cravinho e diz que eu preciso de luz para fechar o raio do jornal!!!!!» - as obras da Expo eram ali ao lado e graças a elas conheço Olivais e Moscavide como a palma das minhas mãos.

Não me esqueço da Isabel Valadares que tinha um porsche a cair de velho e fumava cigarros Chanel.

Não me esqueço da Paula Mascarenhas que não desligava o telefone, de tal maneira que uma vez caiu da cadeira, ficou de perna aberta mas o auscultador permaneceu fixo na sua mão.

Não me esqueço dos pequenos almoços às oito da matina, depois de toda a gente constatar que mais uma vez ninguém tinha conseguido chegar primeiro que o João Vaz.

Não me esqueço da festa surpresa que me fizeram no meu aniversário.

Não me esqueço do dia em que o João Vaz disse: hoje o Saramago vai ganhar o Nobel, vamos já fazer a edição especial. E ganhou.

Não me esqueço de trabalhar até ás seis da manhã depois dos conselhos nacionais do PP.

Não me esqueço do que era procurar notícias e do Paulo Santos e do Rui irem de noite, Alentejo fora, em busca do monte alentejano que fez cair o Vitorino. Era um monte de pedras. Demos nós.

Não me esqueço da minha primeira «cacha», citada em todos os telejornais (eh, eh): «Governo quer vender preservativos nas escolas».

Não me esqueço de quando a Helena se foi embora, primeiro do jornal, depois deste mundo.

Não me esqueço quando um Mário qualquer coisa chegou à redacção e disse: as vendas subiram, as receitas publicitárias também, mas o grupo decidiu abandonar o jornal.

Não me esqueço do Peres quando me disse: o pior defeito de um director é ser indiferente.

Não me esqueço de ver o fogo de abertura da Expo 98 e o Aquamatrix do telhado da redacção.

Houve casamentos, divórcios, filhos, traições, zangas e até quase casos de porrada. Havia gargalhadas gerais, havia quem nos pedisse mais sangue suor e lágrimas. Havia notícias, havia um jornal, havia gente em todos os outros sítios que diziam «eu comecei na capital», houve um homem que me disse que comprava o jornal há 20 anos.... A sério?, perguntei eu....

- Sim, gosto muito das palavras cruzadas.....

Um jornal é para o que um homem quiser. Um jornal faz chorar e rir e acaba a embrulhar peixe. Este jornal ensinou-me muita coisa. Tenho-o agora feito em pedacinhos rasgados no meu coração.