A escola
Sim, vi o video, sim acho que a aluna se portou muito mal, sim, acho que os colegas são uns trogloditas.
Não, acho que não é com suspensões que se resolve isto, não, não acho que a professora lhe devia ter dado um par de estalos, não, não acho que a professora se tenha portado bem e não, não acho que estatutos do aluno e leis e o caraças resolvam este tipo de problemas.
Lembrei-me de escrever sobre o assunto depois de ler
este texto aqui.
E lembrei-me de uma conversa que tive com uma pedagoga que tinha em casa problemas com o filho. O miúdo não gostava da escola, dizia que odiava a professora, dizia até outras coisas piores que roçavam a vontade de ser violento. Tinha más notas, obviamente, andava triste.
Até que a mãe decidiu mudá-lo de escola. E então este rapaz foi para uma escola onde em vez dos erros a vermelho no ditado se apontam a azul as palavras certas. Onde um dos trabalhos de casa era fazer uma redacção onde se inventasse uma poção para exterminar professores, onde a sala de aula parecia um lugar meio mágico.
Ao fim de duas semanas este rapaz começou a chegar a casa a dizer: «Mãe, eu afinal sei de matemática! Eu afinal sei muitas coisas de português.»
A atitude de todos, conta. E a atitude desta professora perante uma aluna mal comportada também não foi a melhor. Decidiu entrar numa guerra física que não podia ganhar, decidiu baixar ao nível da rapariga, decidiu ser tão parva como a miúda. Todos nós sabemos. Comportamento gera comportamento e se não é o adulto dentro daquela sala a manter um comportamento decente, não se pode esperar que sejam os adolescentes a fazê-lo.
Tudo aquilo me parece demasiado mau. Não só a miúda como os colegas. Faz-me lembrar o meu décimo ano, quando a professoar de alemão foi substituída por uma rapariga que trabalhava na secretaria da escola e que, por ter vivido na Alemanha, foi promovida a professora.
Nunca ninguém lhe bateu, nem houve actos de violência. Mas enquanto ela falava para o boneco pintavam-se unhas, jogava-se póquer de dados, e chegou a haver algumas manifestações menos próprias para uma sala de aula. Se fazíamos isto com todos eles? Claro que não. Éramos uma cambada de mal comportados? Nem por isso. A atitude dela determinava por completo a nossa? Claro que sim.
Por isso sempre me chateia que perante aquela cena - gostava de ter visto a aula toda filmada já agora - se venha logo falar em tabefes e suspensões. Como se isso, alguma vez, tivesse resolvido o que quer que fosse.
Filmes que (realmente) mudaram a minha vida
Quando nos fazem a pergunta, por motivo nenhum ou em corrente blogoesférica, pensamos sempre naqueles filmes que nos marcaram de forma positiva, que nos fizeram acreditar num mundo melhor, que nos encheram a retina de imagens maravilhosas, dos diálogos inesquecíveis, de actores que nos fizeram suspirar, de cenas que vimos vezes sem conta. Mas hoje,
a propósito disto, lembrei-me de outro género de filmes marcantes.
Vou fazer aqui a lista:
1. Terror na AutoestradaO filme é de 1986, por isso quando passou na televisão eu devia ter uns doze anos. A minha mãe já há muito que me tinha mandado para a cama, mas eu decidi que ia ficar a espreitar pelo buraco de uma fechadura de uma porta que dava para a sala e onde ficava encostado um sofá. E foi neste momento que tomei uma das piores decisões da minha vida. Durante anos a fio sonhei com o maldito homem à boleia com uma gabardine amarela e que esventrava famílias dentro de carros.
2. Os PássarosOra bem, eu nunca gostei muito de aves, é certo. Mas depois de ver este filme do Hitchcock a vida para mim nunca mais foi a mesma. O auge do terror destes animaizinhos deu-se no que poderia ter sido uma bela tarde passada nas Berlengas. Além de cagarem em tudo quanto é sítio, e de, por isso, me deixarem sempre à espera da altura em que me iam acertar com a porcaria, são tantas mas tantas as gaivotas que eu passei a tarde a pensar o que fazer no momento em que elas atacassem e me matassem à bicada. Não vou lá voltar.
3. O Exorcista IIDepois de ter ficado traumatizada com Terror na Autoestrada nunca mais voltei a ver filmes de terror. Excepção feita a esta bela película, vista em casa da minha amiga Sandra, pelas quatro da tarde de um dia de verão, com todas as janelas abertas e cerca de dez pessoas na sala. Já na altura não havia psicoterapia que me valesse.
4. Emanuelle (não sei que número)Foi a primeira vez que os nossos amigos rapazes nos deixaram estar com eles numa sala a assistir a uma sessão de sexo no écrã. Alguém conhecia outro alguém do clube de vídeo que lhe passava filmes para adultos ainda que essa pessoa nunca tivesse feito a barba na vida. E foi então com Emanuelle que nos principiámos no cinema erótico, que aquilo também não é propriamente hardcore. O máximo a que tínhamos aspirado foi naquele longínquo dia em que uma alma na RTP se lembrou de pôr no ar um filme de seu nome Pato com Laranja em que uma mulher descia as escadas de mamas ao léu - é tudo o que me lembro, acho que fui mandada para a cama mais cedo nesse dia.
5. Le Gendarme...Ora bem, ninguém deve conhecer isto mesmo a não ser os habitantes nascidos na década de 70 numa vila próxima de Viseu. Nessa localidade havia um cine-teatro lindíssimo que passava filmes ao fim de semana. Mas não eram assim filmes daqueles que as pessoas que viviam na cidade podiam ver. Nada disso. Aquilo ali era cinema do pior e entre as películas escolhidas pela direcção da coisa - ó Pedro Mexia onde andavas tu? - estavam estas brilhantes comédias francesas que metiam polícias, freiras e muitas quedas aparatosas. O melhor da coisa era que, como não havia pipocas, o pessoal tentava acertar com papelinhos e por vezes pastilhas elásticas nos gajos que se sentavam nos lugares da frente.
6. Rambo IIOra bem, cá está o nome do primeiro filme que vi num cinema que passava filmes que realmente tinham sido lançados nesse ano e nos quais nem se podia comer, quanto mais atirar coisas às cabeças dos outros espectadores. Podia ter escolhido melhor? Parece que sim. Segundo me disseram, o Rambo II já não era tão bom como o Rambo I...
PS: tentei a todo o custo pôr imagens destes filmes para ilustrar o post, mas o blogger tá marado.
Eichmann, o novo Schindler.... para o DN
Na página 30 do DN de hoje está um texto cujo título é
«O arquitecto do Holocausto que terá ajudado a salvar 800 judeus».Este texto baseia-se
neste trabalho publicado no Sunday Times.
Li primeiro o texto do DN e, achando logo à partida estranho que a parte do texto que origina o título estivesse no último parágrafo (o grosso do texto é sobre o percurso de Eichmann), mas que, pior, diz «uma história que agora veio a público e que está a gerar paralelismos com Oskar Schindler», fui directa à procura do texto do Sunday Times.
Que não é um texto, como o do DN, mas um trabalho jornalístico. A comparação com Schindler apenas surge na fórmula usada para o título. Aliás, fica sempre em aberto por que razão aquelas 800 pessoas sobreviveram no meio de Berlim.
Mas percebe-se rapidamente que o coração de Eichmann terá tido pouco a ver com isto. Primeiramente, o hospital manteve-se para ludibriar muitos dos judeus berlinenses e passar informação falsa sobre os campos de concentração. Depois, serviu para albergar membros da chamada Lista B, que desapareceu debaixo do braço do director do hospital, e que alegadamente continha nomes de judeus casados com alemães não-judeus e/ ou pessoas muito influentes politica e economicamente.
Termina assim o trabalho do Times:
«The survival of the Jewish Hospital and its 800 Jewish prisoners remains, therefore, a mystery. But there is no doubt that their murder had been deliberately delayed by Nazi order.
Had the Russian liberators not reached Berlin when they did, each one of those Jewish men and women would have eventually been sent to the gas chambers. Hitler’s solution was always to be “Final”. The only compromise was over when exactly that finality would come.»
O texto do DN quase parece portanto um trabalho elaborado pelas ordens de Lustig. Sim, 800 pessoas foram salvas - ou não foram mortas a tempo - o nome de Eichmann aparece ligado ao hospital mas nunca se sabe porquê, mas vamos lá compará-lo com o Schindler, que apesar de não ser um santo, não há registos de que tenha estado encarregue de mandar exterminar milhões de pessoas.
Não percebo se isto é má consciência ou apenas mau jornalismo. Parece-me mais válida a segunda hipótese. O que é estranho. Parece que agora até a copiar se fazem asneiras.
Uma sandes é uma sandes, é uma sandes
Achei que pelo menos o título deveria ser tão fundamentalmente importante e sobejamente elaborado como foi a perplexidade do empregado (será que o posso tratar assim?) do Deli Deluxe quando estranhamente uma cliente lhe fez um pedido nunca antes ouvido muito menos falado em tom de voz normal para um local daquele calibre. Daquele luxo, digamos assim.
Tudo começou quando decidi pedir uma sandes de fiambre no Deli. O que, na minha mente, equivale a pão com fiambre lá dentro. Naquele caso, um bom pão e um bom fiambre lá dentro.
- Sandes de fiambre? (diz com olhar quase esgazeado e a boca semi-aberta de espanto)
- Sim... (confirmo)
- (hesita) Não sei se temos fiambre...
- Mas aqui na lista está croissant com fiambre...
- Mas esse fiambre é do croissant (desta vez fala já num tom conhecedor e de forma assertiva)
- Então não pode colocar o fiambre do croissant (atenção, não estamos a falar da Panninni e dos croissants congelados com o fiambre lá dentro, este fiambre era, obviamente, on the side) no pão?
- Bom (hesita outra vez e volta a abrir a boca em semi-espanto), mas o pão que temos é só aquele assim pequeno....
- (apontando para o pão de tosta que estava no prato do meu amigo) Não pode pôr o fiambre neste pão de tosta?
- Ah, talvez então, só se for assim. Vou ver.
Ora bem, lá veio a puta da sandes. No pão tostadinho, com um fiambre de aspecto maravilhoso.
O Jaime dá uma dentada e diz que não quer mais.
- O que é que se passa, Jaime? Não gostas?
- Mãe, este pão não é igual ao que eu comi antes de ir ver o jogo do Sporting com o Penafiel.
Carta de Amor a uma Barriga
Barriga informe, do tamanho do mundo, toma bem conta de ti. Sítio mágico, redondinho, a vida és tu. Cresce, não deixes o mundo à espera. Talvez eu ainda não saiba, mas daqui a pouco - antes de ti - não havia nada. Anda barriga, a única coisa que o sol queima é o desgosto, barriga. Não tenhas medo do mar, basta respeito. Não te salves, não percas tempo com isso e nunca compres uma mesa de café em que não possas descansar os sapatos.
Se as tuas mãos forem brancas como as primeiras neves, poupa-lhes o negrume da espera. Trata de as oferecer por inteiro a quem vir em ti uma criança. Treina muito bem a memória, vais precisar de esquecer. Trata-me por tu. Curte música, gosta de coisas, abraça pessoas e anda com as costas direitas. Aprende a falar em silêncio, com o corpo.
Bem podes argumentar que se está bem no quentinho, o quanto à gente custa sair da cama pela manhã. Mas não me venhas dizer que os tempos estão maus. Lembra-te que todas as eras e todas as civilização se queixam de paraísos perdidos. Vão sempre dizer-te que dantes é que era, nem que vivas mil anos. Desconfia.
Não deixes que ninguém te trate como se fosse mais ou menos do que tu. Mais vale que te apaixones cedo pelos animais e que descubras depressa o mistério da natureza. Sabias que a alma dos cães é do tamanho das nossas? O universo ainda está todo por explicar, tens muito trabalho para fazer, anda. Ainda me vais explicar a teoria das cordas.
É que tu, barriga por enquanto lisa, ainda és tudo o que nós já não podemos ser. Toda tu és potência, possibilidade e hipótese. Se espirras constipas-nos. Toma o teu tempo, perde-te. Mas começa já a levantar cidades aí dentro. Mobila-te, vais precisar dos teus edifícios, dessa roupa interior. Principalmente no Inverno. Estuda meteorologia para perceberes que o mau tempo é uma coisa exterior. Imagina a chuva e bebe muita água.
Anda cá ver isto, barriga do coração, sê curiosa. Expande-te, descobre os limites das coisas, o instante em que deixam de ser o que são e começam a ser outras coisas. Interessa-te pelas conversas idiotas, interessa-te por tudo. Deslumbra-te, deixa-te enganar. Muda tudo e recomeça. Não deixes a melhor roupa para o dia seguinte, usa-a. Ousa, nunca se sabe.
Ninguém sabe o que é a vida, a não ser tu. Mas eu acho que a vida é um ponto de embraiagem gigante, impossível. As ciências deixaram outra vez de ser exactas, os principais mistérios continuam intactos. A gente precisa das crianças do futuro. A terra moral também é redonda. Levanta amarras, barriga!
Escolhe um Deus que não venha da culpa. Organiza as tuas forças e não deixes que as tuas defesas te ataquem. Joga muito à bola, prepara-te para as coisas. Cuida do teu sistema nervoso, treina a atenção. Aprende a nadar porque os náufragos precisam da carta de marinheiro. Inventa, tem cuidado com o infinito, mas não o leves a sério. Não nos leves a sério.
Pensa nas coisas e trata bem a tua mãe, que anda contigo ao colo, não faças peso. Quando entrares numa sala enche-a de luz. Se ainda levares as costas direitas vai ser mais fácil. Dá o peito, mas evita as balas. Todas as noites te lançarei feitiços ao umbigo, quando ainda não souberes o nome das coisas, apenas os sons, faz mais efeito. Farei promessas, hei-de pedir que gostes sempre de mim e que nunca me deixes. Não será a primeira vez, nem a última. Depois serás tu a encher-nos de magia. Vai valer a pena, barriga, manda-te ao mundo.
O tempo anda devagar, no início. Aproveita para deixar coisas feitas, por exemplo as línguas. Aprende a gostar de estudar, é bem melhor do que trabalhar. Considera a hipótese de rebentares na véspera de um feriado para teres noites de aniversário a vida toda. Havemos de te dar uma boa mesada para ofereceres flores às outras barrigas.
Mas, ó barriga, que sei eu? Tudo me parece também o contrário. Quero que cresças, hei-de querer que encolhas quando fores do meu tamanho. Não me ouças, barriga, anda só e depressa. Não quero que me salves, tens mais que fazer, mas faz de mim um homem e faz de ti um miúdo.
Luís Gouveia Monteiro, grávido do coração
4 anos
Faz hoje quatro anos, o meu spider boy.
Gosta de: super-heróis, lançar teias de aranha, jogar à bola, fazer a flash interview, dizer cornfield e little blue tree, números, dias, semanas, meses, datas de aniversários, Ferrero Rocher, Faísca McQueen, Shrek, puzzles, conquilhas, histórias ao adormecer, Sérgio Godinho, violas, bateria, microfone, avaliar a comida como «Remy» ou «Linguini» consoante é boa ou má, dizer principalmente, cócegas, Miguel, António, tomar decisões, mexer no cabelo para adormecer, salsichas, almôndegas, puré, praia, barcos.
Não gosta de: provar comidas, batatas fritas, sopa com coisas, ser acordado, ir para o banho, beber da caneca, arrumar, assimetrias, camisas ou qualquer outra roupa com botões, dar beijos a desconhecidos, assoar o nariz, saltar partes de histórias, ler só uma história à noite, ir embora de casa do Miguel, não ir todos os dias brincar com o Miguel, mudanças.
Muito do que se passou, passou-se na TSF
Eu sei que os parabéns já vão um pouco tarde, mas andava a digerir a coisa. Fiquei sentada dentro do carro estacionado numa rua escura de Lisboa a ouvir a reportagem da primeira emissão pirata.
E depois acendi um cigarro e lembrei-me daquele dia 30 de Setembro de 1995, eu sentada em cima do tampo de uma secretária que ficava do lado esquerdo da porta de entrada, naquele edifício da Av. de Ceuta. Av. de Ceuta nº 1.
Era eu lá sentada com um cartucho na mão, azul, a metê-lo na mala, a roubá-lo, e as lágrimas a quererem sair. Foram 5 meses inesquecíveis da minha vida. Foi ali que, aos 19 anos, decidi que era mesmo aquilo que eu queria ser.
A ouvir a máquina de escrever do Fernando, os conselhos da Elizabete, a voz da Helena, o nervoso miudinho da Paula, a gaguez do Mário, a experiência do João, a sabedoria do Carlos, o raspanete da Gabriela, o halo solar, os junkies do Casal Ventoso, as boleias do Luís, a carrinha que parava à minha porta às 4h45 da manhã com o António lá dentro, o speed do Chico, os telefonemas do fórum que tinha de receber, a primeira vez que usei um telemóvel, a entrevista ao bombeiro que foi para o ar.
Na sexta-feira à tarde, disse adeus à rádio.
Foi um grande Verão.