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10.11.05

Cidade

A mulher famosa desce a rua a olhar para a câmara. À sua frente cinco outras pessoas andam de marcha atrás com blocos, cabides, casacos, maletas com blushes e riméis. Ela, a mulher famosa, veste de preto, decote generoso, ainda que chova, a pele sem uma borbulha e o andar firme e sensual apesar dos saltos agulha que insistem em meter-se nas pedras da calçada de Lisboa.
Os carros abrandam para o sinal vermelho e olham para ela, que distribui beijos e sorri um sorriso branco.

No passeio da rua sem carros um rapaz faz de estátua com vestes de pastor. Grupos de rapazes e raparigas com cachecóis da equipa «Cristo Vivo» tentam distribuir panfletos que vendem fés. Há quem pare, outros abanam a cabeça e entram na loja da roupa que os pode fazer parecer com a mulher famosa que já desapareceu embrulhada num casaco de fato de treino.

Cristo vivo, diz o cachecol de cores garridas.

Mais uns metros em direcção ao rio, as castanhas esfumaçam a visão e quase tornam melodiosas as notas que lhe saem do acordeão. Há um cão muito pequeno à sua frente. Ele está sentado num banco, não parece ter frio nem cara de fome. Vai tocando à espera de uma moeda. À espera de uma mulher de sorriso branco, ou apenas à espera de um cachecol.

Cristo não vive aqui.