Os pés na terra
Os pés arrastam-se sobre a terra fria, a chuva cai miúda. As ancas balançam e abre-se um sorriso ao ver-nos chegar. A pele pouco se enruga, é firme como as pernas que a sustentam. As mãos endurecidas mas meigas, as unhas sujas. O peito balança à medida que anda, o mesmo que alimentou as crias, bem junto ao coração que bate compassadamente.Parada no meio da estrada, junto do muro de pedras que abanam mas nunca caem, sorri ao ver-nos chegar. Encosta-se ao cajado, ordena ao gado que entre nos currais. Convida para uma bucha.
A mesa está sempre posta, à espera que cheguemos. Senta-se numa das cabeceiras e olha para o homem grande que fica do lado oposto. Rei e rainha, pai e mãe.
Nascemos de dentro deles. Cinco primeiro, transformaram-se em oito, que deram depois mais oito, entretanto mais três, que fizeram nascer até agora outros dois.
Somos altos e fortes, ora morenos ora mais brancos, os pés grandes, os cabelos escuros outros já cinzentos, os olhos expressivos. Uns são mais parecidos com outros, sejam primas e primos, tios e netos, avós ou irmãos.
Semeamos, sachamos, colhemos, criamos, matamos, pomos na mesa. E sentamo-nos nela. Falamos alto, discutimos, dizemos piadas, e calamo-nos quando o Pai conta mais uma história com direito a moral no fim, ou quando a Mãe balbucia uma canção dos tempos em que o sol ditava o correr dos dias.
Quando nos queremos chamar gritamos muito alto os nossos nomes. Tia Luz e Tio António, Maria Alice, Mino, Luís, Rita, Alexandre, Jaime, Maria do Céu, Celso, Lena, David, Raquel, Carlo, Nicola, Zé, Ana, Cristina, Celso, Manel, Fátima, Ana Catarina, Daniela.
O som ecoa pelo tanque, pela mina, pelo ribeiro, pelo moinho de água, pelos campos semeados, pelos currais dos animais, pelo galinheiro, pela eira, vai até ao alambique e dá meia volta de regresso a casa. Sempre que nos chamarmos vamos ouvir os nossos nomes de volta. A terra que nos fez nascer não nos esquece. E é isto que significa ter uma família.