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11.5.09

Estou a escrever isto ainda sem te ver deitada no teu quarto. Sem vida. Acho que deves estar no teu quarto. Ficas em casa, por agora. Depois vais para outro sítio, porque não te podemos deixar aí, para falarmos contigo, darmos-te um beijo na pele lisa e firme, ainda que com mais de noventa anos.
Nunca falámos muito, nunca foste mulher de grandes palavras, nem de beijos, nem de colos. Isso era com o avô. Tu eras a mulher de ferro lá de casa. Andavas descalça pela rua, fosse verão ou inverno, com os teus pés rijos e com joanetes na calçada fria. Tratavas dos animais, punhas as mãos em panelas a ferver e nunca te queimavas. Era com essas mãos que amassavas o pão, todas as semanas. Ensinaste-me a pôr-lhes o sinal da cruz antes de se meterem no grande forno de lenha.
Trazias sempre um lenço na cabeça e o cabelo apanhado. Um dia vi-te a penteá-lo. Estava solto, era cinzento e muito comprido. Penteavas-te com uma travessa que depois servia para o prender de novo.
Íamos juntas ao ribeiro lavar as tripas do porco acabado de matar. Dizias-me sempre para não mexer no lume, que fazia xixi na cama... Eu a brincar com o fogo e tu de volta dos tachos e das panelas de água quente, da tua sopa de feijão, da tua aletria sempre doce.
Semeávamos batatas, davas-me uma navalha para vindimar, abanavas a cabeça quando eu insistia para pisar o vinho. Não é coisa de mulheres, dizias tu.
Pariste os teus cinco filhos em casa. Três rapazes e duas raparigas. Todos puderam estudar. Pariste-os com valentia de certeza, com a mesma valentia com que todos os dias caminhavas pelo campo, escaldavas as mãos e não ligavas às urtigas que te passavam pelas pernas.
Eras uma mulher da terra, uma força da Natureza. Eras a minha avó. Uma luz.