SIM!
Sinceramente, já só consigo pôr-me a desejar todos os dias que o NÃO não vença. Mas ando aqui com um aperto na alma a pensar que no dia 11 de Fevereiro, mais uma vez, o SIM vai sair derrotado e continuaremos a viver num país menos justo, menos clarividente, mais atrasado, mais rendido à mentalidadezinha medíocre dos donos da moral e dos bons costumes.
Estou com aquela sensação pré-clássico. Que se define pelo seguinte: quero sempre muito que o Benfica vá ganhar ao Dragão, tenho sempre esperança que ganhe, mas lá no fundo, no fundinho sei que vai perder. O jogo começa e o coração bate.... Caraças, pá, até os comemos, é desta que vamos ganhar. E de repente, toma lá um golo azul e branco. Mas bora, pá, há-de chegar o dia em que vamos ganhar a estes gajos, não pode ser, são sempre os mesmos. Aguento-me ali, se empatamos então a esperança redobra, para quase sempre, nos últimos minutos, ficar esparramada no sofá a abanar a cabeça e a pensar: pronto, já se sabia, não se consegue.
E agora que se aproxima o dia, e que hora após hora ouvimos mais uma hipocrisia vinda de um Marcelo qualquer ou lemos mais uma história arrepiante que mete agulhas, comprimidos e dinheiro, muito dinheiro, já não consigo pensar noutra coisa. O referendo sobre a despenalização do aborto ameaça mesmo tornar-se um clássico. Resta saber quantas vezes mais temos de passar por isto para que Portugal saia da medievalidade em que teima em permanecer.
Não há histórias a preto e branco
Parece-me claro que a pena aplicada ao pai adoptivo de Esmeralda é um exagero. Mas parece-me cada vez mais claro que a história não se resume aos bons - os pais adoptivos - contra o mau - o pai biológico.
A verdade é que esta história já começiou há muito tempo e nessa altura as opiniões eram bem diferentes. Senão
leiam aqui. Dou alguns exemplos: a mãe biológica diz que nunca havia falado com Baltazar sobre a gravidez, diz que quis reaver a filha e o casal não deixou. Luís Villas Boas defende que aquela é uma adopção ilegal. É ler. E continuar a pensar antes de cortar a direito.
Aliás, nesta altura a história era outra e as manchetes diziam
«Menina roubada ao pai»Obrigada
I. pelo esclarecimento.
Amanhã um dia
A cada linha que leio penso nela. Onde andará a menina cuja mãe adoptiva decidiu levar não sei para onde? Será que vai à escola? Será que tem amigos? Quem foi à sua festa de aniversário? Andará a saltar de casa em casa, de quarto em quarto, sem rotinas, sem segurança, a viver no medo? Que mãe é a que a aconchega à noite, que condições terá para a confortar, para lhe transmitir palavras de serenidade, de conforto, de segurança? O que lhe dirá sobre amanhã? Vai poder ir ao escorrega? Será que carrega os filmes de um lado para o outro? Será que canta as mesmas músicas? Será que pergunta pelos amigos da escola e quando os vai ver? Que respostas conseguirá obter? Deverá ouvir da boca da mãe, como se de uma criança de dois anos se tratasse, ainda sem noção do passado e do futuro, «amanhã um dia...»
«"Amanhã um dia" podes voltar à escola, ter o teu quarto, ver os teus brinquedos, ter um bolo pelos anos com todos os teus amigos à tua volta, fazeres vezes sem conta as mesmas coisas pela mesma ordem, contar ao jantar como foi o teu dia e falar dos nomes das pessoas que sempre encontras e que fazem parte do teu quotidiano.»
Parece-me errada aquela prisão, mas não consigo ficar assim tão chocada com o que supostamente é uma injustiça. Porque estes pais adoptivos e este pai biológico foram injustos primeiro. Muito antes de os tribunais o serem.
Os pais adoptivos foram injustos quando proibiram o pai biológico de ver a criança, quando ela tinha apenas 20 meses, e de tentar estabelecer com ela uma relação. Foram injustos quando se negaram a dar-lhe uma fotografia. E o pai biológico, retribui agora com a mesma moeda. Se ficar com a criança nunca mais vai deixar que ela veja os pais adoptivos.
Tanto uns como outro não têm respeitado o que acima de tudo havia a respeitar. A própria criança. Ela é um objecto, uma coisa que lhes desperta um sentimento de posse como se de um carro ou uma casa se tratasse. Ela é objecto de vinganças e de lutas e de processos e de debates.
Cada vez tenho mais dúvidas é que ela seja o que sempre deveria ter tido direito a ser: uma criança.
SIM!
Ainda faltam tantos dias para o refrendo e já começo a abrir a boca de espanto com as afirmações que se vão espalhando por aí. Ora são padres que rezam pelas almas dos zigotos, ora é a nossa senhora que chora, ora são umas criaturas de olhos raiados de raiva para com essas assassinas que fazem abortos, ora são aqueles tão bonzinhos que não querem legalizar a coisa mas também não querem que as mulheres sejam presas e por outro lado acham que a lei é boa como está desde que não seja aplicada tal e qual.
Até hoje não quis escrever sobre o assunto, porque já tenho medo de ter chegado a um estado tal de irracionalidade que posso começar a disparar para todo o lado, sem apelo nem agravo e correndo o sério risco de perder a compostura. Já não consigo enervar-me com aquela gente que quer à força impôr a sua moralzinha aos outros, nem ficar revoltada com os cartazes hipócritas que se espalham pela cidade.
A mim já só me resta ir lá no dia 11 de Fevereiro votar SIM. Alimentando a secreta e recatada esperança de que isto fique resolvido de uma vez por todas. E com a certeza de que o professor Marcelo e o engenheiro Guterres, que nos meteram a todos nesta embrulhada, possam finalmente descansar sobre a grande merda que fizeram em 1998, ao decidirem que o referendo era o caminho para resolver isto.
Eu não sei o que me aconteceu....
É isto que eu vou dizer depois de cortar as perninhas à auxiliar da sala do meu filho se a apanhar outra vez a mostrar aos miúdos a musiquinha do André Sardet....
...foi feitiço o que é que me deu? Para cortar as perninhas a alguém assim como tu.... tra la rai la rai, la rai lai lai.
Tudo em versão acústica, atenção!
A nova colecção
Eu não sei se isto me acontece apenas a mim, mas desde já aqui fica o protesto veemente (veemente é uma palavra que fica sempre bem quando se quer protestar). Então uma gaja vai aos saldos, à procura até de umas coisitas que já tinha visto, mas o orçamento clamava por um desconto, e agora chega e nada? Não está em saldo? Mas como?
A resposta, em mais que uma loja: essa peça já é da nova colecção. Mas como pode ser da nova colecção se eu estive aqui antes do Natal a experimentar estas calças? E este pullover comprei para a minha mãe oferecer ao meu marido no Natal também....
Errrr.... eles engasgam-se mas seguem em frente. Pois, já era então da nova colecção. A nova colecção já lá estava, portanto, mas ninguém deu por ela.
Eu não sei, mas acho que isto merece um protesto veemente. Nada menos que veemente. Porque afinal de contas a gaja já tem um novo ordenado e acabou por gastar o dinheirinho na mesma. Para a próxima compro logo, assim como assim sempre uso as coisas durante mais tempo.
Que porra, hã?
O País que chora
Faltavam poucos dias para o Natal mas nem isso fez mudar a cabeça e os corações daquela gente que estava em fila indiana para pagar os seus tão valiosos presentes. Uma fila tão direitinha que parecia que estávamos até num país civilizado, ainda por cima dentro de uma loja sueca.
A miúda devia ter uns oito ou nove anos e vem a correr pela loja fora num pranto desesperado. Naqueles segundos que mediaram o som que ouvi e os meus olhos a percorrerem o espaço da loja para ver se a via ninguém se mexeu. Naquele espaço de tempo em que saltei da fila e me cheguei a ela para perguntar se estava perdida e ela me agarrou na mão como se me conhecesse, sabendo que iria comigo aonde quer que eu a levasse confiando de que eu a levaria à mãe, mais ninguém moveu um pé. Ficaram todos ali - a maioria mulheres, muitas delas mães, de certeza - a olhar. Não era filha delas, para quê sair da fila e perder aquele precioso lugar?
A miúda não ficou muito tempo a chorar. Logo apareceram as irmãs que a levaram sem demoras para junto da mãe. E eu voltei à fila, com vontade de desatar a insultar aquela gentinha toda que ali ficou especada.
São estas pessoas iguais às que vejo chorar no funeral da Sara, a criança que foi morta de pancada pela mãe - ela diz que não era para a matar quando a atirou pelas escadas abaixo.
Esses que agora choram no funeral e gritam à porta dos tribunais quantas vezes é que não terão ouvido a Sara chorar de mais? Quantas vezes encolheram os ombros quando ela passava com nódoas negras e um olhar infeliz? E aquele pai? Trabalhava muitas horas e não dava conta? Mas o que é isto?
E que raio de gente é que temos a trabalhar nas Comissões de Acompanhamento de Menores em Risco que perante uma denúncia não agem de imediato? Mas que gente é esta que assobia para o lado quando não são os seus que estão em maus lençóis? E especialmente quando se trata de crianças indefesas, que não podem fugir ou defender-se?
Esta é a gente que depois chora. Como se as suas lágrimas algumas vez servissem para alguma coisa, a não ser para expiar a culpa que de certo muitos deles trazem dentro.