O País que chora
Faltavam poucos dias para o Natal mas nem isso fez mudar a cabeça e os corações daquela gente que estava em fila indiana para pagar os seus tão valiosos presentes. Uma fila tão direitinha que parecia que estávamos até num país civilizado, ainda por cima dentro de uma loja sueca.A miúda devia ter uns oito ou nove anos e vem a correr pela loja fora num pranto desesperado. Naqueles segundos que mediaram o som que ouvi e os meus olhos a percorrerem o espaço da loja para ver se a via ninguém se mexeu. Naquele espaço de tempo em que saltei da fila e me cheguei a ela para perguntar se estava perdida e ela me agarrou na mão como se me conhecesse, sabendo que iria comigo aonde quer que eu a levasse confiando de que eu a levaria à mãe, mais ninguém moveu um pé. Ficaram todos ali - a maioria mulheres, muitas delas mães, de certeza - a olhar. Não era filha delas, para quê sair da fila e perder aquele precioso lugar?
A miúda não ficou muito tempo a chorar. Logo apareceram as irmãs que a levaram sem demoras para junto da mãe. E eu voltei à fila, com vontade de desatar a insultar aquela gentinha toda que ali ficou especada.
São estas pessoas iguais às que vejo chorar no funeral da Sara, a criança que foi morta de pancada pela mãe - ela diz que não era para a matar quando a atirou pelas escadas abaixo.
Esses que agora choram no funeral e gritam à porta dos tribunais quantas vezes é que não terão ouvido a Sara chorar de mais? Quantas vezes encolheram os ombros quando ela passava com nódoas negras e um olhar infeliz? E aquele pai? Trabalhava muitas horas e não dava conta? Mas o que é isto?
E que raio de gente é que temos a trabalhar nas Comissões de Acompanhamento de Menores em Risco que perante uma denúncia não agem de imediato? Mas que gente é esta que assobia para o lado quando não são os seus que estão em maus lençóis? E especialmente quando se trata de crianças indefesas, que não podem fugir ou defender-se?
Esta é a gente que depois chora. Como se as suas lágrimas algumas vez servissem para alguma coisa, a não ser para expiar a culpa que de certo muitos deles trazem dentro.