lista de compras: Odeio Paris!

21.11.05

Odeio Paris!

Sempre me vai irritando quem apela ao uso puro e duro da violência contra o que se passa nos subúrbios de Paris. Também me enerva solenemente quem lhes tudo desculpa por viverem em más condições.

Ou seja, a direita que tudo quer reprimir sem olhar a causas e a esquerda de acha que de caridade de arranha céus, guetos e subsídios se faz a integração - que por si só é uma palavra bolorenta.

Tenho uma amiga que nasceu em Paris. Filha de emigrantes portugueses, portanto o que se chama de segunda geração. O que desde logo faz começar mal a coisa. «Emigrante de segunda geração.» É bonito, digamos.

Conheci-a na faculdade, em Lisboa, quando ela decidiu vir estudar para Portugal. Escandalizados ou apenas muuuuito curiosos com esta decisão, era constante o perguntar: Mas tu és doida? Mas preferes viver em Lisboa que em Paris? Paris!!! Quem me dera a mim!!!

Até que se fartou de dizer apenas que odiava Paris. Era assim: Odeio Paris! E passou a explicar:

Quando um dia entregou os papéis de matrícula para uma escola qualquer, não me lembro qual, e no qual constavam a profissão dos pais, além, claro, da nacionalidade de ambos, um dos responsáveis dirigiu-se a ela perguntando-lhe por que razão havia mentido.

- Mentir? Eu?, retorquiu pasmada.
- Sim, a menina. Não precisa de envergonhar-se da profissão dos seus pais.
- Desculpe?
- Sim, porque é que mentiu na profissão dos seus pais?
- Mas eu não menti!
- Deixe-se de coisas. Toda a gente sabe em que trabalham os portugueses e não é nem na Citroen como desenhador nem na Ralph Lauren, como diz aqui sobre a sua mãe, que deve ser porteira e não há mal nenhum nisso....

E ela convenceu-nos da razão por que odiava Paris.

Esta semana, no Courier Internacional, um artigo do Guardian referia a história de um artista de ascendência argelina que enviou um mesmo curriculum para uma estação de televisão. A única coisa que mudava era o nome. Guess what? O «francês» foi chamado a uma entrevista, o «argelino» nem um telefonema ou uma carta recebeu a rejeitá-lo.

Li por aí algures que o problema da França é que quer fazer integrações a todo o custo. Que é um país onde ou se é francês ou não se vale uma baguete ressequida. Não interessa o que está no bilhete de identidade, não interessa se se nasceu por lá. O que importa é se o nome não soa a estranho, se és laico e republicano, se não usas véus, se és, no fundo, um puro francês.

Nos bairros onde começaram os problemas e onde os nomes não deixam margem para duvidar da ascendência a taxa de desemprego por entre os menores de 30 anos ronda os 40 por cento. Muitos deles não terão sequer oportunidade de acederem a uma entrevista.

E isto, desculpem lá as mentes que acham que tudo se trata com polícia e bastonada, não é a mesma coisa que pagar muito pelos pensos higiénicos ou ficar dois anos sem ter aumentos. Isto é ser discriminado por algo que não se pode controlar ou contornar. Ser discriminado pela sua própria essência.

E quem não compreende que isto é um problema que merece atenção e precisa de ser resolvido tem um nome. Quem não percebe que as leis também existem para serem alteradas tem um nome. E que a sociedade pode e deve ser mudada também tem nome. É a gente que, se dependessemos dos seus pensamentos, nos faria ainda estar no tempo da velha senhora. Porque as leis e as regras e o status quo e a admissão cega de que a vida será sempre melhor para uns que para outros e paciência, não há nada a fazer, que se lixem esses gajos, se não fossem eles era eu, são características próprias de quem só olha para o umbigo. E um dia, caem-lhes em cima aqueles que de repente também só olham para o umbigo deles. E o umbigo deles cheira muito mal, e tem frio, e vive em casas nojentas e não tem emprego.
A vida é fodida, não é? Pois é. Olhem agora os gajos dos BêEmes e dos Jaguares e que tais, com o carrinho a arder....

(a estupidez dos extremos é que se alimentam uns aos outros com os mesmos argumentos)