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15.11.05

Os perfeitos

A primeira vez que ouvi falar do António foi numa reportagem da TVI que conseguiu mostrar ao país que se vendiam crianças em pleno Campo Grande e, pior, que tal não constituía crime nesta coisa chamada Portugal. Nessa altura, a SIC, num momento de muito baixo nível, apressou-se a lançar o rumor de que a reportagem era um embuste. Mas não era. O António foi entregue a uma instituição, não foi vendido a ninguém.

Ao fim de uns dias respirou-se de alívio, depois de toda a indignação. Os políticos prometeram mudar a lei, o António estava a salvo e mais, logo se arranjou uma família que o quis adoptar. Afinal o António era um bebé, caucasiano, sem problemas de saúde. É fácil quando é assim.

Novamente o alívio e o pensamento de que por vezes esta profissão de jornalista ainda serve para alguma coisa. Ainda serve algumas causas.

Há pouco tempo o António voltou a ser notícia. Tinha sido retirado da família com quem vivia há oito meses e no seio da qual era, segundo os relatórios, um bebé feliz, integrado, vinculado àqueles pais.

Só que os pais separaram-se. E após terem comunicado o facto à Segurança Social, um juiz decretou (não há melhor palavra que esta, de facto, DECRETOU) que a criança deveria retornar à instituição por não estarem reunidas as condições para a adopção. Porque ele tinha de ter o pai e a mãe juntos, na mesma casa, porque de facto não há crianças filhas de pais separados que sejam felizes no mundo...

Tirando a revolta toda que isto causa fica-me na cabeça apenas uma pergunta, que perante esta e outras situações, gostaria de ver respondida:

- Por que razão é que a uma criança institucionalizada não pode dar-se menos do que a perfeição?