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26.6.05

Amar-te-ei até te matar


Grooming, Paula Rego


Lisboa, 24 de Junho de 2005
Café Medeia, 17h30

Estou à espera de quem me vai trazer lágrimas e não trouxe livro nem jornal, mas tenho um caderno e uma caneta na mala. Olho para a rua e lembro-me de um dia estar parada naquele semáforo. O jipe ao meu lado era preto. E decidi escrever à mão, caneta bic e caderno de papel reciclado. Foi há quantos anos? Ficou então assim, sem possibilidades de deletes ou copy-pastes:


O que fazer quando tudo arde?
O que fazer quando o ódio nos enche as veias, nos raia os olhos, nos estala o cérebro e a vontade é de matar?

Pára o carro no semáforo e ela olha para o lado.
A mão no queixo. Está perdida.
Ele mete a primeira e volta a ponto morto.
Acelera e desacelera.

Ela não busca nada para lá do vidro.
Nem um olhar, uma paisagem, tão pouco a mudança da cor do sinal.

Os olhos são vermelho sangue.

Morre. Morre cabrão.
Morre, que eu não tenho coragem de te deixar.
Morre que eu não consigo dizer que vou sair daqui para fora.
Morre que eu não tenho força para te tirar vivo do meio de nós.

Morre que eu chorar-te-ei com dor.
Morre que eu vestirei de negro.
Mas morre.

Morre, porque não te quero mais na minha vida.
Mas morre porque não suportarei ver-te na vida de mais ninguém.

Ela chegou com uma fotografia na mão e as lágrimas nos olhos. Fechei o caderno.