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6.6.05

A culpa é da Tucha

Pronto, já percebi de onde vem todo este vernáculo nada digno de uma menina, que podia ser princesa, mãe de um rebento de 15 meses, que ainda deveria estar avassalada pela maternidade e pela pureza da nova alma que lhe saiu do ventre.

A culpa é dos meus vizinhos de infância e da Tucha.

Passo a explicar: eu era a única rapariga no meu prédio e, portanto, nada de bonecadas ou merdices dessas. Saias, só quando me obrigavam. Em todas as fotografias da escola, da primeira à quarta classe eu sou aquela de cabelo curto, camisa de flanela aos quadrados, calças de bombazine e ténis sanjo pretos com riscas amarelas de lado. Roçados mais no pé direito de jogar à bola.

As marcas nos joelhos eram de jogar ao «cai-cai» em cima das biclas. Como o nome indica, a ideia era atirar ao chão os outros sem cair da sua própria bicicleta.

Quando queria uns ténis novos, a bicla também dava jeito. Ia para a rampa da Estação e travava a fundo com os pés no chão. Assim se gastavam as solas, assim apareciam uns ténis novos. Na altura, o meu sonho era ter uns Le Coq Sportif. Usei-os até à exaustão. Só jogava andebol com eles calçados, até que os dedos me saíssem lá de dentro.

Mas a Tucha é que deu cabo de tudo. Eu tinha uma amiga, a Sandra, que era uma verdadeira princesa. Sempre de vestidinho, muito branquinha, uma boneca. E ela tinha uma outra amiga que era a Carla. Bem comportadinha na escola, nunca levou chapadas do professor nem canadas no rabo e muito menos ficou de joelhos de castigo ao lado da carteira (sim, eu fui sujeita a estas sevícias e mesmo assim cheguei a ameaçar com um pau um puto estúpido que estava a dizer mal do meu professor. A minha mãe é que o salvou...).

Voltando à Tucha que, para quem não sabe, era a versão Barbie dos anos 80. Ora eu só tinha uma e não lhe ligava puto. Tinha umas roupitas, sempre as mesmas e só mudava de look quando eu lhe cortava o cabelo, cada vez mais curto até que ela parecesse uma daquelas miúdas a quem escortanham a trunfa com uma navalha.

Já a Sandra e a Carla, com as suas Tuchas de cabelos longos, loiros e lisos, tinham o guarda-roupa inteiro. Camisinhas, casaquinhos, sainhas, calcinhas, fios, elásticos. E volta e meia convidavam-me para ir brincar com elas. Eu lá ia, com a minha desgraçada Tucha, sabendo o que me esperava. Uma tarde a brincar às bonecas, sendo que a minha pouco podia fazer. Não tinha roupa para vestir, não tinha tábua de passar a ferro, nem sequer cabelos para fazer tranças.

Ora foi aí que tomei uma atitude: acabaram-se a merda tas Tuchas, bola é que é, porrada com o vizinho de baixo, que é um queixinhas, quase todos os dias, e apenas uma concessão à feminilidade: orelhas furadas para deixar de entrar nas lojas e me perguntarem: «O que é que o menino quer?»

E foi assim, que eu passei de princesa a gaja. Pronto, a coisa foi melhorando. Aos quinze anos deixei de ter os joelhos mais largos que as próprias coxas e cresceram-me mamas. Fui para o grupo de ginástica acrobática embora namorasse com o gajo do teatro que fumava charros e se embebedava com bagaço às oito da manhã.

Entrei para a faculdade que queria. Tinha boas notas. Beijei muita boca linda. Apalpei mutos rabos bons e encontrei o melhor homem do mundo. Agora tenho outro cá em casa. Pequenino, mas traquina, como se quer.

E isto tudo, foda-se, valeu mesmo a pena.