Torná-las visíveis
No dia em que me deparei com esta fotografia tinha uns sapatos da Zara calçados. Custaram-me 45 euros, ficavam bonitos com o vestido, mas ao fim do dia já me magoavam o pé. Olhei para eles e vi que tinham uma costura mesmo onde o pé assenta.
No dia em que me deparei com esta fotografia fiquei com os dedos encarquilhados, porque não me doíam mais do que os destes rapazes que se calhar puseram aquela costura que me estava a matar! Para que eu pudesse gabar-me de ter comprado uns sapatos tão giros e por um preço razoável, alguém, se calhar uma daquelas duas crianças, tinham feito quantos cortes nos dedos com o fio de nylon que serve para os coser?
Nesse dia em que eu andava bonita em cima dos meus saltos altos o que comeram aqueles rapazes a quem foi pago 40 cêntimos por um par de sapatos?
Podem muitos dizer que se não tivesse sido aqueles eram outros, talvez na Índia, ou na China, ou na Roménia, ou em qualquer outro lugar do mundo. Podem.
Mas a verdade é que dentro daqueles sapatos de verniz branco os calos doeram como nunca. Doeu-me até ao coração. Doeu-me ao ponto de pensar como. Como pude entrar num esquema destes?
Os sapatos estão dentro de um saco. Já os comprei. Já os usei. Mas juro que não vou ser capaz de os calçar assim levianamente. Ao menos aleijam-me. Ao menos que sirvam para eu sentir um bocadinho a dor daquele fio de nylon que todos os dias corta as mãos de meninos e meninas.
Ao menos isso.