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9.2.06

Ainda a liberdade

«Tudo o que pode ferir as convicções de outros, em particular as convicções religiosas, deve ser evitado. A liberdade de expressão deve ser exercida no espírito de responsabilidade».

Jacques Chirac, Presidente de França

Antes de mais, acho estranho que um homem que proibiu o uso de véus pelas raparigas muçulmanas nas escolas francesas diga isto. Porque mais não fez do que o contrário que agora diz. Ao proibir o uso do véu, Chirac e o governo francês «feriram as convicções de outros, em particular as convicções religiosas». Mas agora Chirac mudou de opinião. Chirac vacilou perante o medo. Chirac, o homem que está à frente do país que fez a Revolução Francesa, acha que há que haver limites à liberdade de imprensa, quando esta «fere as convicções de outros, em particular as convicções religiosas».

Chirac não fala em ofensa de direitos. Fala em ofensa de convicções. Ou seja, fala, a meu ver, de uma subserviência, de uma auto-censura dos países democráticos, em nome de convicções religiosas. Ou seja, fala de calar opiniões diferentes, ainda que legítimas, porque legítimas são todas as opiniões.

E quando estas interferem com outros direitos, ou seja, quando a minha liberdade põe em causa a liberdade dos outros - e não as suas CONVICÇÕES - devem e podem ser accionados os meios para punir quem prevaricou. Esses meios são os tribunais, as manifestações pacíficas, os abaixo-assinados, esses mecanismos sem violência que nos habituámos a utilizar, nós os que vivemos em democracias.

Mas façamos então o exercício que pede Chirac e não ofendamos convicções religiosas.

Vamos lá:

«Em nome de assegurar o respeito pelas convicções religiosas, todo e qualquer cidadão deve abster-se de emitir opinião contrária a determinados preceitos e dogmas instalados e seguidos por um sem número de outras pessoas que professam um outro sem número de crenças.

Dão-se como exemplos:

- Não caricaturar o profeta Maomé.
- Não caricaturar Jesus Cristo.
- Não colocar o Papa em situações incómodas, como já foi feito quando um cartoonista decidiu vestir-lhe o nariz com um preservativo.
- Não dar voz, muito menos mostrar casais homossexuais, porque tal vai contra os preceitos de família preconizados pela Igreja Católica.
- Não abrir lojas ao sábado, pois isso fere os preceitos do judaísmo.
- Não falar, escrever, ou desenhar sobre a despenalização do aborto pois isso ofende convicções de um sem número de crenças.
- Não publicar revistas com mulheres semi-nuas, já para não falar de homens semi-nus ou completamente nus.
- Banir dos livros de receitas tudo o que meta carne de vaca, não vá um hindu ofender-se.
- Proibir tudo, mas tudo e todos aqueles que levam vidas libertinas, falam delas e até as colocam em filmes.
- Ameaçar de morte imediatamente Dan Brown pois escreveu a blasfémia mor - a de que Jesus Cristo tinha filhos com Maria Madalena.
- Proibir as mulheres de falarem em público.

Estes são apenas alguns exemplos, mas muitos outros existirão. Pede-se então a todos aqueles que têm acesso ao espaço público que se informem sobre todas as convicções religiosas existentes no mundo, para que, ao emitirem opiniões, não as ofendam.»

Até porque, como se sabe, os senhores que estão muito indignados, ao ponto de matarem, queimarem e ameaçarem, são os primeiros a respeitar as convicções religiosas dos outros. Democracia e respeito é com eles. E se nós, como eles (e eles aqui são os terroristas e os fundamentalistas, não os muçulmanos em geral porque muitos há que são democratas) passarmos a ter respeitinho por tudo o que é convicção - porque afinal somos europeus e não vamos agora entrar numa de respeitar apenas uma religião e ignorar todas as outras - vamos então viver muito melhor, caladinhos, agachadinhos e felizezinhos na nossa quietude e pacatez. Sem criticar, sem questionar, sem lamentar, sem discutir.

Quem não acredita que o mundo seria muito melhor assim?