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22.4.05

A Queda e a Ascenção

É estranho que dois alemães estejam nas bocas do mundo esta semana. Ratzinger, o Papa ortodoxo que fugiu do exército de Hitler, e o próprio Hitler, no filme A Queda.

É estranho que todos desejem que Ratzinger se transforme num outro ser, num homem mais aberto, mal vista as vestes de Bento XVI.

É estranho que muitos pensem que Adolfo não era humano, não tinha paixões, compaixões, sonhos, fome, dúvidas, cães.

É estranho que as primeiras palavras de Ratzinger tenham sido contra «a ditadura do relativismo onde nada é definitivo».

É estranho que se fale tanto em totalitarismos, dogmas e valores absolutos nesta semana.

Mas foi também esta semana, que um dos países mais católicos da Europa - a Espanha - aprovou o casamento entre pessoas do mesmo sexo.

E foi esta semana que um tribunal britânico teve de decidir mais uma vez sobre uma vida humana mantida em completa desumanidade.

Esta semana, mais uma vez, no mundo Ocidental, o relativismo venceu o dogma, os homens venceram Deuses omnipotentes e castigadores, prevaleceu a condição humana, afinal, como sempre.

Hitler não resitiu, enlouqueceu, perdeu, matou-se. Mas Hitler não era um extraterrestre, era um homem. Só que era um homem sem dúvidas, que alcançou um poder tal que deixou de permitir relativismos, ainda que relativo fosse a cor do cabelo, o sobrenome, a religião.

Como pode Ratzinger dizer que o cristão deve ser defendido dos intelectuais? Dos homens que pensam? Deixar de pensar é deixar de existir.

Hannah Arendt, judia, filósofa, que chegou a ser rotulada de anti-semita por dizer que Eichmann era um ser humano, escreveu isto na sua obra A Condição Humana:

A suposição de que a identidade de uma pessoa transcende, em grandeza e importância, tudo o que ela possa fazer ou produzir é um elemento indispensável da dignidade humana. (...) Só os vulgares consentirão em atribuir a sua dignidade ao que fizeram; em virtude dessa condescendência serão «escravos e prisioneiros» das suas próprias faculdades e descobrirão, caso lhes reste algo mais que mera vaidade estulta, que ser escravo e prisioneiro de si mesmo é tão ou mais amargo e humilhante que ser escravo de outrem.

O que terá Bento XVI a dizer sobre isto?